Nahima Maciel
Da equipe do Correio
Divulgação / Vicente de Mello |
Acostumado com grandes esculturas, Nelson Felix traz para Brasília série inédita de desenhos |
Foi o jazzman John Coltrane quem deu o embalo para Nelson Felix se concentrar no desenho e reduzir as dimensões com as quais trabalhou nos últimos seis anos. Num sítio em Nova Friburgo, na Serra Fluminense, o artista carioca se isolou e fez espécie de parceria espiritual com o músico norte-americano. Nelson queria retornar à tinta e ao papel, centrar no gestual puro e simples da mão que desenha. ‘‘Por ser muito simples, o desenho vai direto à alma. É muito imediato e barato de fazer. Então, de um certo jeito, você relaxa. Às vezes, são até meio premonitórios, é uma síntese ao inverso, uma síntese do futuro’’, descreve.
Para se concentrar nesse gestual, Nelson precisava se desvencilhar um pouco dos megaprojetos nos quais trabalhou nos últimos tempos, como as 33 toneladas de laje deslocadas para uma intervenção arquitetônica em São Paulo, em 1996, e o Grande Budha, instalação com seis garras de latão montadas ao redor de um jovem mogno em plena mata amazônica.
Ficou com medo de não conseguir, mas lembrou que, certa vez, Coltrane recebeu convite para produzir um disco de baladas, trabalho bem mais harmônico que o free-jazz conceitual com o qual trabalhava. O carioca fez o paralelo e deixou-se levar pela comparação: seus desenhos se pareciam com as baladas harmônicas de Coltrane, nasciam como um exercício para mente empenhada em composições mais violentas, ou ‘‘mentais’’, como o artista gosta de frisar. ‘‘Me senti na mesma situação, vinha fazendo uma série de projetos grandes, violentos, e me dei conta que, com os desenhos, estava propondo uma escala pequena, uma coisa mais intimista’’, revela Felix.
Os desenhos encerrados no mês passado ganharam o título de Baladas, o mesmo do disco de Coltrane, e podem ser vistos em Brasília a partir de hoje, na galeria Arte Futura e Companhia, ao lado de duas esculturas. Nelson Felix — Escultura e Desenho apresenta dez trabalhos com tinta aquarela e chumbo sobre papel-arroz japonês. Em alguns casos, Nelson se permite morder o papel, um gesto cuja origem está no fascínio do artista pelo organismo humano.
Escultura no caminho
“Já o chumbo deforma e dá peso ao papel. Isso é um pensamento de escultura e me emocionou, porque é uma linguagem que eu ainda não tinha usado, de levar a escultura para o desenho’’, revela. Discutir a escultura sempre esteve no caminho de Nelson, porém no sentido inverso. Fez isso, por exemplo, quando escolheu o tradicional mármore de Carrara — o mesmo usado pelos escultores da Grécia Antiga — para representar os espaços vazios do corpo. A pedra bruta tomou a forma dos ‘‘buracos desconhecidos’’ do sistema nervoso e deu vida a uma série inspirada no tema.
‘‘Essa é uma das principais questões da obra dele, a rediscussão
do fato escultórico. Ele tem um grande amor pela escultura, mas é como se minasse as bases da própria escultura, por exemplo levantando a questão do peso e discutindo isso ao trabalhar os vazios’’, explica Glória Ferreira, autora de um dos textos do livro Nelson Félix, que a Casa da Palavra lança hoje durante abertura da mostra. Nelson selecionou uma dessas esculturas para a mostra em Brasília. A peça — um longo bloco de mármore amorfo cuja extremidade se apóia sobre a cabeça de um pequeno Buda dourado — traz implícita outra preocupação do artista.
‘‘É interessante porque se você pensar no budismo, ele fala em vazio mental, meditar. E saber que no físico existe vazio mental me interessou profundamente’’, conta Nelson, agora empenhado em pensar esculturas também para os espaços vazios do sexo e do coração. O budismo não aparece na fala do artista por acaso. ‘‘Os elementos de ordem espiritual não estão dissociados do apuro formal. Não são acessórios’’, como lembra Glória Ferreira no texto do livro. Nelson é vegetariano e pratica ioga há 27 anos, hábitos que, segundo o artista, ajudam a cultivar a espiritualidade. ‘‘Tenho 48 anos e isso faz parte da minha vida. É muito difícil que isso não saia em tudo que faço’’, admite.
Serviço
NELSON FELIX — ESCULTURA E DESENHO
Dez desenhos da série
Baladas e duas esculturas compõem a exposição de Nelson Felix. Abertura hoje, às 20h, no Arte Futura e Companhia (SCLN 205, Bl.C, Lj. 25, 349-5788). Visitação até 3 de agosto, de segunda a sexta, das 13h às 20h. Sábados,
das 14h às 19h. Hoje haverá também palestra com o artista e a crítica Glória Ferreira, às 18h30.