Rodrigo, do Dead Fish, entre palcos e panelas vegetarianas

Heloísa Barros e Sheyla Ventura

Rodrigo Lima nasceu no dia 6 de fevereiro de 1973, em Vitória, no Espírito Santo. Em 1991 decidiu abandonar a futura carreira de advogado para ser vocalista da banda Dead Fish. Há 20 anos em atividade, Rodrigo se divide entre palcos, casamento e uma vida dedicada ao vegetarianismo no restaurante Vegacy, localizado na Rua Augusta, em São Paulo. Na entrevista a seguir ele conta um pouco de cada transição em sua vida, projetos da banda e a nova descoberta de poder ser um dia cozinheiro vegetariano profissionalmente.

Você mudou para São Paulo para acompanhar a banda?

Sim. A gente já estava na estrada há quatro anos, eu ficava em Vitória cinco meses do ano e o resto viajando, dentro de um van fazendo merchandising e indo pra um lugar e outro. Mas em 2003 a gente já não aguentava mais, muito tempo dentro de uma van apertada, pouco dinheiro, pouca perspectiva, cansou, todo mundo foi cansando. A gente brigou e a gente tinha o nosso próprio selo, a Terceiro Mundo Produções Cenográficas e o selo quebrou.

Nesse período de brigas mudou algum integrante?

Mudou, o guitarrista saiu. Eu ia sair, eu ia embora do Brasil. Eu ia fazer um curso de Direitos Humanos em Utrecht (Universidade), em Amsterdã.

Mas por que a escolha do curso?

Eu sou formado em Direito desde 1999.

Ou seja, você tinha uma banda, fazia turnê e estava se formando em Direito ao mesmo tempo?

Sim.

E como era conciliar isso?

Era louco, insano. Eu lembro que eu fazia parte do Centro Acadêmico e não fui em nenhum dia de reunião. E aí quando eu me formei em Direito, na outra semana tinha prova da Ordem (OAB). Eu fui preso por confusão, pichando a rua e tal, e aí eu assinei o meu diploma e entreguei para minha mãe e falei “eu não vou fazer a prova da Ordem, eu vou para a turnê com a minha banda”, e fui embora.

E a sua mãe?

Minha mãe é artística plástica.  Ela ficou bastante frustrada, mas falou “não tudo bem, segue a sua vida, mas pague o preço”. Eu falei “estou disposto a pagar o preço” e até o hoje eu pago.

Sem nenhum arrependimento?

Não mesmo. Eu sou muito melhor hoje do que se eu fosse um advogado rico.

Mas você teve dúvida entre estudar fora e sair da banda?

Eu não tive dúvida nenhuma. Quando a banda acabou…

Espera, a banda acabou?!

Acabou por um mês. Fechou o selo e eu falei “ó eu não tenho nada a ver com isso, o selo está endividado, eu vou embora”. Fui fazer minha inscrição online para Universidade de Utrecht. Mas aí a banda resolveu assinar com um selo que era a Deck, o selo da Pitty e Nação Zumbi, e a banda falou “ah a gente pode tentar viver disso de outra forma”. Eu disse não, mandei todo mundo se ferrar. E o baterista, que saiu há um ano [da banda], brigou comigo, a gente brigou de mão, ele dizia “você vai ficar, você vai ficar”, e aí eu fiquei. E também pelo cara ter uma conversinha de pé de ouvido comigo, o Rafael Ramos que é o dono da Deck, dizendo “ah, vocês vão ter uma casa, vão poder viver de banda, vai poder isso, vai poder aquilo…” e cá estou.

E rolou?

Não, claro que não. Você vai acreditar em alguém que tem uma gravadora? Imagina, não rolou, mas mesmo assim foi legal.

Mas por que não rolou num selo grande?

A gente era punk o bastante para não querer estar num selo grande. A gente queria gestionar a nossa música, ser autônomo. A gente lançava o nosso próprio CD, gerenciava nossas próprias turnês, fazia música, ia para estrada. Tínhamos aquela ilusão de ser aqueles caras de Washington, os americanos que conseguiriam viver disso [música]. Na verdade houve uma grande possibilidade, só que a gente vive no Brasil, cara… tudo é mais complicado… distribuição você toma cano… não dá para ser rock star sendo punk.

Vocês não se acham rock star? Porque muita gente conhece Dead Fish…

Nunca achei. Ser famoso é uma coisa, ter dinheiro é outra.

Ganha dinheiro com CD?

Não ganha. Eu vivo de show, eu estou rouco por isso, fiz quatro shows nesse fim de semana. [Na época da entrevista os shows foram no Rio Grande do Sul]

E por que não ganham dinheiro com CD?

Além de não vender mais, o contrato não é e nunca foi legal numa gravadora. Pergunta para o Chico… quer dizer, Chico Science não (risos), pergunta paro o Du Peixe [Nação Zumbi] se ele ganha dinheiro com o CD dele. Os contratos têm porcentagens ridículas, mínimas.

E como aconteceu de você vir parar no Vegacy?

Eu sou vegetariano desde 1990, há 21 anos. Antes de eu entrar para a banda eu já era vegetariano.

E por que você decidiu ser vegetariano?

Não foi por pena dos animais. Foi uma questão mais política do que qualquer outra coisa. Tipo ocupação de terra: onde se põem dez bois para alimentar 100 pessoas, você põe não sei quantos hectares de tomate, feijão, lentilha, vagem, para alimentar 500 mil pessoas. E o estopim mesmo foi uma feijoada.

O que aconteceu?

Eu passei mal uma semana.

Foi o tutu?

Sei lá o que é que foi. E a feijoada era da minha avó, ela é uma capixaba tradicionalista. Tudo bem, a feijoada não é uma especialidade local, mas era uma especialidade dela. E aí eu passei muito muito mal.

Mas você parou de comer carne de vez ou aos poucos?

Eu tive que parar aos poucos. Por exemplo, na minha avó, que é tradicionalérrima capixaba, não se admitia que eu não comesse caranguejo, a moqueca de camarão ou a torta capixaba, que é o único traço de cultura que a gente tem. Aí eu tive que ir parando aos poucos daí ela falava “ah você não come mais carne vermelha, né?”, eu falei “não, eu não como carne”. Aí minha avó começou a me dar frango. Daí eu comecei a tomar um nojo… um nojo extremo, mas um nojo de não conseguir sentir o cheiro, entendeu? E aí no quarto mês para frente acabou tudo.

E a partir disso você não sentiu falta de carne em nenhum momento?

Eu senti falta de marisco. Mas eu não achava mais legal. Uma vez minha m&at
ilde;e fez bobó de camarão e eu senti uma vontade extrema de comer. E aí comi. Comi e passei mal.

Você chegou a participar de alguma atividade em prol do vegetarianismo?

Eu sempre achei uma coisa muito individual. Tanto que os caras da minha banda não são vegetarianos e eu nunca escrevi uma letra sobre vegetarianismo porque o resto da minha banda não é, então não é certo. Já participei de alguma comunidade e tal, já fiz manifestações, mas eu nunca fui aquele cara do tipo “morram carnívoros”, sabe? Acho que por mim todo mundo seria vegetariano. Mas eu não posso impor isso para ninguém. Pobres dos animais, pobres mesmo que eu não posso impor isso. É uma questão individual.

E como foi mesmo que você parou aqui no Vegacy?

Eu sempre fui amigo dos meninos. O André é meu amigo há muitos anos, sempre foi vegan. Eu não sou vegan [quem não come qualquer alimento de origem animal]. E eu sempre ia nos restaurantes dele. Sempre gostei de cozinhar lá em casa…  e aí a banda começou a cair e eu nunca teria a ilusão que eu viveria 20 anos de banda. Eu também sempre fui um cara muito avesso ao trabalho, ao emprego em si, e depois da música a única coisa que eu acredito é o vegetarianismo. Daí surgiu a oportunidade um dia de eu começar a lavar prato. Ele disse que precisava de alguém que lavasse o prato e servisse a mesa.

Quando foi isso?

Tem 1 ano.

Você vem todo dia?

Venho todo dia quando eu posso. Quando estou com a banda alguém me substitui. Isso causa até um certo problema para o André. Ele não tem um funcionário, ele tem um freela eterno. Eu estou no meio de um processo, eu quero ter a cozinha como algo meu, como uma profissão minha. Eu não sabia que eu queria isso.

Você cozinha alguma coisa no restaurante?

Cozinho algumas coisas, alguns molhos eu já fiz. Um dia com o André eu fiz aquele bacalhau vegan, a gente faz massa também…

E como é dividir seu tempo entre banda, casamento, vegetarianismo?

É caótico, né, mas já foi muito pior. Eu trabalho aqui, eu escrevo todo dia e lidar com a banda é conturbado porque é uma banda conhecida, mas que não ganha dinheiro. Então cada um tem que correr com as próprias coisas, marcar ensaio, conciliar as diferenças de quatro pessoas já velhas na estrada.

A banda tem uma relevância na cena musical brasileira, já são 20 anos. Vocês pretendem fazer alguma coisa especial?

A gente gostaria, só que como só eu estou a 20 anos na banda a gente tem uma certa dúvida se deve mesmo comemorar. Temos uma ideia de fazer um DVD ao vivo, só que a gente não tem dinheiro para isso, vamos precisar recorrer a alguma coisa, estamos vendo. E a gente quer fazer uma turnê para lugares que nunca fomos na vida.

Tipo Acre?

Tipo Acre. Tipo Macapá.

Tem mais alguma coisa para falar? “Um abraço pro Flamengo”?

Mengão! Nas quartas de finais da Libertadores, “tamo” aí!

Fonte: Pernabulista

 

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